Sem Nobel
Nesses cem anos de existência do Nobel, o Brasil por diversas vezes passou perto de ganhar o prêmio. Em 1909 o médico sanitarista Carlos Chagas descobre as causas, os sintomas e o meio de propagação da Trypasoma cruzi, mais conhecida como a doença de Chagas: em 1914 concorreu ao Nobel de Medicina e, por mais três vezes; entre 1909 e 1934 recebeu 33 prêmios internacionais, menos o Nobel.
Em 1941 o físico Mário Schenberg descobre o mecanismo das supernovas, também conhecida como “explosões de estrelas gigantes”. Mais adiante cria uma fórmula para estimar o estágio evolutivo das estrelas, juntamente com o indiano Subramanyan Chandrasekhar, ganhador do Nobel de Física em 1983.
Em 1947 o físico Cesar Lattes participa da descoberta do méson-Pi, no entanto, somente ao chefe da equipe (Cecil Frank Powell) é conferido o Nobel. Em 1948 o bioquímico Maurício Rocha e Silva, examinando o sangue de pessoas que tinham sido picadas por jararacas, descobre a Brandicinina, inaugurando a partir daí a classe dos hormônios tissulares. Na década de 60 o também bioquímico Sérgio Ferreira descobre que o veneno da Bothrops jararaca potencializa o efeito de remédios contra hipertensão – ele fez parte da equipe do bioquímico britânico John Vane, ganhador do Nobel de Medicina de 1982. Em contrapartida, o governo da Noruega institui, a partir de 1990, o Prêmio Sérgio Ferreira de Ciência, em reconhecimento ao trabalho do pesquisador.
Porém, vários de nossos cientistas e literatos de expressão internacional, sequer foram indicados: o médico Adolfo Lutz (1855-1940), responsável pela identificação dos principais agentes transmissores da malária; o médico Manuel Augusto Pirajá da Silva (1873-1961), que provou a existência do protozoário Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose; o físico José Goldemberg, que comprovou que os átomos de elementos químicos leves também podem sofrer fissão, entre outros.
Na literatura, alguns bons exemplos: Machado de Assis (1839-1908) – o mais erudito literato da língua portuguesa em todos os tempos –, Monteiro Lobato, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, entre outros.
Em economia, o nome mais expressivo é o do paraibano Celso Furtado, oriundo da aristocrática Universidade de Cambridge na Inglaterra.
Deixando de lado as exceções, não ganhamos um Nobel de Ciências porque nunca merecemos. E nunca merecemos por quê? Será porque o Brasil nunca teve capacidade econômica para investir maciçamente em pesquisa, como nos países da Europa e os Estados Unidos? Ou faltou sabedoria política, como a demonstrada pelos indianos, que apesar de todas as suas dificuldades investem tradicionalmente em ciência?
Uma outra explicação para a falta de um brasileiro na longa lista dos Nobel, entretanto, é o número ainda pequeno de cientistas no país. O levantamento realizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), de 1998, aponta no país 50.844 mestrandos, 24.090 doutorandos e 29.000 doutores. A 53ª Reunião Anual da SBPC foi realizada aqui em Salvador, em julho, com o tema central “Nação e Diversidade Patrimônio do Futuro”. Como sugestão, proponho publicamente à comunidade científica brasileira que o tema da próxima reunião da SBPC seja: “Brasil, 100 anos sem o Nobel: Incompetência ou discriminação?”. As sociedades científicas brasileiras, bem como as academias de letras, deverão promover fóruns de debates sobre esse tema para que possamos nos levantar de berço esplêndido.
Ubirajara Bittencourt Santana
Salvador (BA)
Jornal da Unicamp - outubro de 2001