POESIA ENGAJADA: O PAPEL SOCIAL DA LITERATURA
Magru Floriano
“Só se escreve poesia de boa qualidade a partir da vida”. Ezra Pound.
POESIA ENGAJADA é um contraponto à idéia, muito difundida nos dias de hoje, de que a arte basta por si mesma. Combate, portanto, de forma direta e democrática, as práticas dos adeptos desta linha artística que apregoa a idéia de que a poesia, enquanto arte, não pode ser discurso. Tem de ser neutra politicamente e cultivar, tão somente, a beleza e ritmo das palavras.
A neutralidade é um conceito equivocado imposto à modernidade pelos Positivistas (1830), que de início pregaram o dogma de que o conhecimento verdadeiro é apenas o conhecimento científico, e que para obter este tipo de conhecimento o pesquisador precisa se manter neutro diante do objeto/fenômeno pesquisado. Quer dizer, o cientista não pode se envolver emocionalmente. Tem de deixar de lado sua subjetividade, ideologia, valores, gostos, preferências, crenças. Ao cientista resta a objetividade.
Das pesquisas de laboratório o conceito de técnico neutro se espalhou como praga para as ciências humanas e sociais, assim como para as mais diversas atividades, tais como a medicina, jornalismo, educação e artes. Com o Positivismo ficou estabelecido que a arte, como a ciência; e o artista, como o cientista, têm de manter a neutralidade diante das coisas do mundo.
Contudo, Lauro Junkes lembra, no livro A Narrativa Cinematográfica que esta tendência à neutralidade da arte já se encontrava embrionariamente na obra de Kant (1724-1804):
“Com Kant deu-se impulso à consideração do desinteresse ou da inutilidade da arte, que conduziu a corrente de Arte pela Arte a afirmar que ‘não há verdadeiramente belo senão o que não pode servir para nada’. A teoria da arte desinteressada de Kant, no entanto, entende que a arte não é utilitarista ou pragmática, que ela se fundamenta não na fruição prática, mas na contemplação distanciada do objeto. Em conseqüência, ela produz no homem e na sociedade a emoção estética – aquele prazer entre material e espiritual, aquela mistura de admiração, euforia e plenitude que embriaga, ou aquela angústia, pena ou dor que oprime a alma do destinatário do objeto artístico”.
O romantismo também caminhou nesta direção, porque “conduziu a arte à alienação, ao escapismo...” (Lauro Junkes).
Fazendo um contraponto à Kant, aos Positivistas e Românticos mais radicais, alguns intelectuais começaram a acentuar o caráter social da arte. Nesta linha podemos incluir praticamente todos os pensadores/artistas da esquerda, que consideram o homem como um ser histórico e a sua arte como resultante direta de sua visão de mundo (ideologia, subjetividade, cultura...).
Como exemplo desta tendência temos o pensador Jean-Paul Sartre, para quem a arte é um “Compromisso, uma tomada de posição do autor diante da realidade, objetivando por-se a serviço da comunidade, para conduzi-la e indicar-lhe o caminho a seguir”. (Lauro Junkes).
Seguindo ainda esta linha de raciocínio entendo que, em um Brasil que ostenta o título de país que mais concentra a renda no mundo, e que apresenta uma desumana diferença entre a minoria mais rica e a maioria pobre, não nos é permitido fazer de conta que o mundo é belo e que a vida sorri para todos igualmente. Crianças são abandonadas nas ruas, escolas não oferecem ensino de qualidade, as oportunidades de emprego são cada vez mais raras, o trabalho é insalubre e atende por uma lógica quase escravocrata na sua relação com o Capital...
O que não falta a uma pessoa sensível são imagens de um Brasil desigual, desumano, que abriga a prática de um capitalismo selvagem, impiedoso, que condena à marginalidade social a maioria de sua população.
Diante de uma realidade tão cruel e desumana, fica difícil de entender a prática artística alienada social e politicamente. Como é possível a um artista, que sempre se apresenta como uma pessoa extremamente sensível, fechar os olhos à realidade que está gritando ao seu redor? Como é possível fazer “arte pela arte” ou construir o “belo pelo belo”?
O QUE É POESIA ENGAJADA?
Para os adeptos da arte alienada social e politicamente é suficiente escrever bem, escrever certo. Obedecer a métodos e técnicas. Ser profissionalmente competente e conseguir o retorno financeiro desejado. É a prática da técnica pela técnica. Ser competente é dominar, em um nível de excelência, todas as técnicas disponíveis. O negócio é fazer bem feito para ser admirado, ser reconhecido. Cada verso, cada palavra tem de seguir uma métrica, sonoridade, ritmo, como quem segue uma receita de bolo.
Rubens Alves diz que:
“Quem escreve não escreve a fim de. Para aquele que cria, sua obra é um fim em si mesmo. A literatura não tem objetivos além de si mesma. O prazer da leitura é seu próprio fim [...] a literatura não tem objetivos pedagógicos. Não tem por objetivo a comunicação de idéias. Ela não é uma forma indireta de inculcar verdades que poderiam ser comunicadas de maneira direta em livros de ciência ou filosofia. Um escritor não escreve para comunicar saberes. Escreve para comunicar sabores. O escritor escreve para que o leitor tenha o prazer da leitura [...]”
Por este enfoque, é suficiente que a poesia seja bela. As palavras combinem umas com as outras e estejam em harmonia no texto. Basta que a leitura seja agradável e que o livro venda o máximo de exemplares possível, dando ao seu autor fama e dinheiro. Vale, portanto, a indignação de Monet queixando-se de pessoas que perguntavam sobre os significados de seus quadros: “Não pintei quadros para que tivessem sentido. Pintei quadros para que aqueles que os vissem os achassem bonitos”. O problema é que o belo pode servir a todos os senhores, servir a Deus e ao Diabo, mantendo a consciência do artista em paz, como foi, por exemplo, a música de Wagner para o Nazismo.
A poesia do “belo pelo belo” é, portanto, invariavelmente um projeto individual de seu autor. Mais um ato individual em meio a tantos outros atos individuais. Tudo isso faz sentido para a maioria das pessoas justamente porque estamos em uma sociedade centrada numa lógica de valorização do egoísmo. Acima de tudo e de todos, ficam os interesses individuais do cidadão proprietário. É normal pensar em si mesmo. Vale o ditado popular: “Cada um por si e Deus por todos”.
Mas será que não há outra maneira de ver a arte? Será que não há outra maneira de fazer arte? A arte deve ser apenas tecnicamente competente, ou pode/deve apresentar objetivos mais nobres? A arte deve ser vista apenas como mais um produto posto à venda, nesta sociedade de mercado que tudo transforma em mercadoria, ou pode transitar em um campo para além das relações de troca e de propriedade?
É nesse sentido, fazendo estas reflexões acerca da poesia alienada social e politicamente, que alguns poetas fazem um contraponto, apresentando a Poesia Engajada. Quer dizer, estes artistas entendem que a poesia, enquanto expressão artística, não se esgota em si mesma. Não tem como essência cultivar o “belo pelo belo”, ou ser apenas tecnicamente perfeita, dar dinheiro para o seu autor, trazer fama e sucesso.
Os adeptos da Poesia Engajada usam a poesia não como fim em si mesma, mas como meio para alcançar um objetivo, encharcado pelos problemas do mundo selvagem em que vivem. Usam da poesia para falar da desigualdade social, da péssima distribuição da riqueza, da violência urbana, da violência política, da falta de amor entre pais e filhos, tóxico, Aids ...
A primeira característica deste tipo de arte, portanto, é esta: ela não é neutra. Ser um poeta engajado, é ter consciência que estamos em plena batalha por uma sociedade melhor, mais justa, mais humana. Ter consciência de que não é possível ficar alheio, neutro, em pleno cenário de guerra, como se o poeta fosse uma entidade metafísica, cujo corpo não sofresse as mazelas da realidade cruel.
Ser engajado é estar comprometido com uma causa, como o fez Castro Alves, por exemplo. Será que a poesia de Castro Alves é menos reconhecida porque ele utilizou o dom de artista para defender os negros miseráveis que sofriam, nas senzalas fétidas e insalubres, horrores inimagináveis a um ser humano?
Quanto da poesia de Cecília Meirelles contém a educadora escolanovista Cecília Meirelles? Quanto do estudioso da cultura brasileira está contido nos versos de Mário de Andrade? Este nacionalismo antropofágico que também encontramos em Oswald de Andrade, não foi benéfico para as letras? Graciliano Ramos, Bertold Brecht, Maiakowsky, Pablo Neruda, Ernest Hemingway, Jorge Amado, Ferreira Gullar, por exemplo, têm sua obra diminuída porque escreveram a partir de uma leitura de mundo com forte conotação ideológica?
A Poesia Engajada, portanto, é instrumento de luta social. O poeta acredita em um mundo melhor e usa a poesia como arma para alcançar seus objetivos. Fazer poesia é defender uma causa. É ser movido por idéias. No mundo da Poesia Engajada não há lugar para os neutros ou indiferentes. Este é um mundo exclusivo dos que possuem a
sensibilidade, ou coragem, de se posicionar. Ser engajado é saber se posicionar a favor de um dos lados em luta.
Por exemplo: nunca na história da humanidade o homem poluiu tanto, maltratou de forma tão irracional a natureza, do que nestes quase trezentos anos de formação da sociedade industrial. Esta sociedade industrial traz em seu interior duas forças em conflito. A primeira delas, diz que o homem tem o direito de fazer o que quiser com a natureza, e o progresso da humanidade vale qualquer preço. A natureza está disponível para o homem, de forma incondicional. A indústria pode fazer o que bem entender com a natureza desde que promova progresso e produza mais riqueza.
Por fazerem uma leitura linear, acrítica e descontextualizada da Bíblia, acreditam mesmo que, ao usufruir da natureza, estão cumprindo de forma fiel com o desígnio de Deus, uma vez que está escrito no livro Gênesis:
“E Deus prosseguiu, dizendo: ‘façamos o homem à nossa imagem, segundo a nossa semelhança, e tenham eles em sujeição os peixes do mar, e as criaturas voadoras dos céus, e os animais domésticos, e toda a terra, e todo animal movente que se move sobre a terra.’”.
Já a segunda força neste conflito, entende que o homem não é tão soberano assim e que sua ação predatória sobre a natureza tem de respeitar certos limites. São os ecologistas, que defendem o desenvolvimento sustentado.
Bem, para se fazer Poesia Engajada, então, em primeiro lugar há a necessidade de um posicionamento. Quer dizer, há de se escolher entre dois modelos de mundo, em muitos pontos, contrários. Ou você aceita a idéia do progresso a qualquer custo, ou você aceita a idéia de que o progresso deve ser contido, em benefício de um equilíbrio na relação homem-natureza.
Escolhido o lado que vai ficar, a poesia daí decorrente é uma Poesia Engajada. Uma poesia que vai defender um dos lados em luta. São muitas as batalhas que hoje estão sendo travadas no interior de nossa sociedade. Causas para serem defendidas não faltam ao poeta. O que falta a muitos de nós é a vontade, sensibilidade ou consciência, para assumir o papel de Agente Social.
Aqui, cabe também ressaltar que muitos poetas que se dizem neutros, que não defendem nenhuma causa social, política ou ecológica, na maioria das vezes estão servindo a um dos grupos em luta na sociedade, sem se darem conta disso. São ingênuos, e, por isso mesmo, mal percebem que estão sendo usados como testa-de-ferro, laranja, boi-de-piranha.
Alguns até sabem que estão sendo usados, mas por interesses exclusivamente pessoais, fazem de conta que não estão vendo, deixam o sistema usar seu nome e sua arte desde que aufiram alguma vantagem pessoal.
Agora, para que alguém defenda com competência uma causa, se faz necessário que entenda profundamente do que está falando. Por isso mesmo, o poeta deve ser um bom leitor. Precisa estudar sobre o assunto que se propõe a escrever. Buscar as palavras/expressões certas, compreender o ambiente em que está envolvido.
Por outro lado, a Poesia Engajada geralmente é fruto de uma militância. Quer dizer, o poeta enquanto atua como cidadão, no seu trabalho de Agente Social, empenhado em causas que buscam melhorias significativas para a sua comunidade, tem em toda a sua ação militante, engajada, matéria-prima, fonte de inspiração para os seus versos. Sua própria arte pode servir de instrumento para interferir na realidade, para ajudar a construir um mundo melhor. Poesia Engajada é a arte que transforma, que participa. Uma arte em ação.
Estudar sobre o tema que se pretende escrever e agir como cidadão, nos movimentos sociais, nas estruturas organizativas da Sociedade Civil, mais do que recomendável ao poeta, é necessário, imprescindível. A realidade é o ponto de partida e também o ponto de chegada da Poesia Engajada. Não se escreve por escrever. Não há o “belo pelo belo”. A poesia é um instrumento na luta contra a poluição, miséria, analfabetismo, alienação, violência urbana, desemprego, egoísmo, individualismo, desigualdade social, falta de amor dos pais, o cotidiano estressante, a neurose do mundo moderno, a máquina que desemprega o homem ...
Contudo, é sempre importante colocar uma ordem de valor nas coisas. Isto quer dizer que na poesia o que vem em primeiro lugar não é o estudo ou a militância, mas o sentimento, a emoção que o poeta vivencia. Quer dizer, de nada adianta você estar no meio de uma tempestade social, se não consegue sentir. O poeta é alguém que está na chuva e sente que está encharcado. Saber sentir e ver, é fundamento para a produção da Poesia Engajada. A base da poesia não é a razão, é o sentimento. Sem emoção, sem sentimento, a poesia passa a ser algo mecânico sem vida própria. Uma coisa estéril.
A Poesia Engajada leva seu autor a ocupar o máximo de espaço possível na sua comunidade, em especial nos Meios de Comunicação de Massa. Esta exposição na Mídia (Rádio, Televisão, Jornal) não tem como objetivo principal se aparecer/promover. Não é vaidade pessoal. Trata-se de ocupar espaços nos veículos de comunicação como forma eficiente de se divulgar a causa em que o poeta está engajado.
A diferença é muito grande. Há poetas que possuem um ego imensuravelmente maior do que seu talento, e querem aparecer na TV porque é uma necessidade individual, algo que interessa apenas a eles próprios. Já o poeta engajado ocupa espaço como quem está avançando no campo de batalha. Pensa na causa, nas idéias, antes de vaidade, ego, status.
Se o que faz um poeta não ser alienado é justamente o fato de ser um cidadão ativo, que coloca seus versos a serviço de uma causa, então podemos considerar que seus versos são seu discurso. Quem disse que poesia não é discurso? Por que disse? Entendo que na vida o melhor é deixar as coisas o mais livres que for possível. Restringir apenas o necessário e suficiente. Nesse sentido, o melhor é não achar que tal poesia é certa ou errada. Também, o melhor é não dizer o que pode e o que não pode se fazer tecnicamente.
O poeta que usa sua arte como instrumento a serviço de uma causa poderá também cuidar da estética dos seus versos. Tem a obrigação de fazê-los o mais bonitos e sonoros possível. Por outro lado, não deve exagerar no discurso, nas palavras de ordem. Quer dizer, a poesia exige bom senso, sutileza. O trabalho deve ter um certo equilíbrio. Não pode ser um discurso tão inflamado a ponto de se tornar ofensivo ou sectário. Bom senso, equilíbrio. A mensagem chega melhor se sutilmente misturada aos sentimentos.
É como se você estivesse transportando copos de cristais. Para garantir a integridade dos copos o melhor é embrulhá-los em jornais. Assim são os sentimentos e as idéias sociais em benefício da maioria desvalida e das minorias discriminadas e perseguidas. Na poesia, é melhor envolvê-los com as palavras certas. Um a um, com muito cuidado, sutileza, leveza, delicadeza.
Alguns podem perguntar assim: por que tenho de defender uma causa ou idéias? Ninguém é obrigado a nada. Se alguém quiser fazer poesias bonitas pelo simples fato de gostar de tudo que é belo, então que o faça. Só não tire dos outros o direito à liberdade de fazer e pensar diferente. Quer dizer, o que vemos por aí é que aqueles que fazem poesias no estilo o “belo pelo belo” ficam perseguindo, classificando como “não poesia” todos os trabalhos que defendem uma causa.
O melhor mesmo é “viver e deixar viver”. É interessante adotar uma postura eclética, aberta, pluralista, democrática. Não selecionar, não classificar, não dizer que é certo ou errado, é poesia e “não é poesia”. Vamos escolher o nosso caminho estético e deixar que os outros tenham a liberdade para fazer o mesmo. Só que, assim como não condeno alguém que faz poesia do tipo alienada social e politicamente, não poderei permitir
que venham rotular a minha poesia como uma “poesia menor” ou até “não poesia”. Nada disso, a idéia é respeitar e ser respeitado. Isso é uma via de duas mãos.
Eu prefiro a Poesia Engajada porque ela cumpre objetivos sociais. Persegue a construção de uma sociedade melhor. Tem compromissos com a comunidade e não apenas com a estética, ou com os interesses pessoais e a vaidade do artista. Como poeta não posso ser apenas um grande Ego.
Também penso assim: se posso ter duas coisas boas, porque desejar apenas uma? Quer dizer, se ao fazer poesia posso conseguir sucesso por fazê-las bonitas, porque também não me empenhar ao máximo para que tenham também uma utilidade social mais decisiva, tenham relevância para todos e auxiliem na luta empreendida para a construção de um mundo melhor? Quer dizer, o compromisso social, o engajamento, não elimina a possibilidade do belo, e vice-versa.
Outro ponto interessante é estudar mais detalhadamente o caso dos antigos festivais de música que ocorreram no Brasil durante as décadas de 60 e 70, e o surgimento de duas gerações de letristas bem distintos. De um lado temos Roberto Carlos, Erasmo Carlos e uma centena de letristas e intérpretes cantando o amor alienado, despolitizado. Apesar de estarmos em plena Guerra-Fria, com um regime ditatorial censurando as artes e todas as manifestações decorrentes do livre-arbítrio do cidadão, para este grupo nada era mais importante do que o fato de estar “amando loucamente, a namoradinha de um amigo meu”, e “que tudo mais vá pro inferno!”.
No outro lado, contudo, temos uma geração de letristas e intérpretes preocupados socialmente, e engajados politicamente. Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Elis Regina, Geraldo Vandré, Nara Leão e tantos outros, fizeram poesia e música de primeira grandeza, e ao mesmo tempo utilizaram esta arte de qualidade para auxiliar a sociedade a se defender do sistema ditatorial. Quer dizer fizeram das letras das músicas uma forma de se posicionarem politicamente.
A verdade é uma só: não existe neutralidade possível, e quem escreve, poesia ou letra de música, é um intelectual orgânico. Isto é, escreve e canta uma arte que está disseminando valores que estão vinculados aos interesses deste ou daquele grupo, desta ou daquela classe social. O intelectual é aquele que está organicamente vinculado às classes, aos grupos, e o que diz e escreve, vai refletir os valores e os interesses desses grupos e classes. Nesse sentido, Roberto Carlos é um Intelectual Orgânico da classe dominante, e suas músicas ajudaram o regime ditatorial a controlar o povo; enquanto Chico Buarque é um Intelectual Orgânico da classe dominada, que incitou o povo, em particular os estudantes e demais intelectuais, à rebeldia contra o regime ditatorial. Analise as letras de suas músicas e veja como é fácil visualizar rapidamente que elas possuem mensagens bem diferenciadas.
Outro ponto importante de se notar é que, se a arte não tivesse uma forte influência nos processos sociais porque motivo todas as ditaduras, sem exceção, ao longo da história da humanidade, sempre censuraram as artes, e as colocaram sob custódia do Estado? Do Index da Igreja Católica às fogueiras do Nazismo, passando pelo Arquipélago Gulag do Realismo Socialista, e chegando até nós através da Lei de Imprensa e a censura aos livros e espetáculos durante o regime de 64, a história é a mesma: quem exerce o poder sabe muito bem que a arte, e em especial o artista que domina a palavra, tem em suas mãos muito poder. O poder de convencer as pessoas a agirem, de sair da passividade. Sabem que a arte quando neutra, na verdade está apoiando e auxiliando quem está no poder, e por isso mesmo investem sempre na idéia de que o artista tem de ser neutro, fazer a arte do “belo pelo belo”, sem se meter com política ou defender causas sociais.
Eles dizem assim: “A poesia não é discurso. E se Fernando Pessoa defende idéias, então sua poesia não é poesia, é discurso. E como tal deve ser condenado. Neste ponto acho interessante também evidenciar as palavras de Bertold Brecht sobre o alienado, o analfabeto político:
O pior analfabeto é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão,
Do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio
Dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha
E estufa o peito dizendo que odeia a política.
Não sabe o imbecil que da sua ignorância política
Nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e
O pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra,
o corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
Bem, parece que ficou claro que existem duas maneiras bem diferenciadas de olhar a poesia e a arte de um modo geral. A primeira dessas maneiras é olhar a arte como um instrumento de dar ao homem prazer estético, separando a arte de outros setores sociais como a política e a economia. A Segunda maneira de ver e praticar arte é olhar a poesia como um instrumento a serviço de uma causa social. A poesia engajada.
Mas, o que posso considerar como uma poesia engajada? Bem, vamos considerar como poesia engajada toda poesia que estiver defendendo uma causa. Esta defesa pode ser em termos mais radicais, agressivos, ou de forma mais sutil, até simbólica. Muitas são as vezes, por exemplo, em que a mensagem está camuflada e trabalha nos meandros do subconsciente do leitor, é uma mensagem subliminar.