Cláudio Carvalho Fernandes
"A existência precede a essência"
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Textos

 

 

Linguagem e Ideologia

 

 

 

Convido para uma leitura-resumo do excelente livro Linguagem e Ideologia, de autoria de José Luiz Fiorin. Vale a pena ler e refletir:

 

LINGUAGEM e IDEOLOGIA 

             "A linguagem é um fenômeno extremamente complexo, que pode ser estudado de múltiplos pontos de vista, pois pertence a diferentes domínios. É ao mesmo tempo, individual e social, física, fisiológica e psíquica."...

MARX E ENGELS DÃO AS PRIMEIRAS DICAS

             Marx e Engels,  em A Ideologia Alemã, dizem que não se pode fazer da linguagem uma realidade autônoma, como os filósofos idealistas fizeram com o pensamento. Mostram os dois autores que nem o pensamento nem a linguagem constituem um domínio autônomo, pois ambos são expressões da vida real. ...
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             Há no discurso o campo de manipulação consciente e o da determinação inconscienteA sintaxe discursiva é o campo da manipulação consciente. Neste, o falante lança mão de estratégias argumentativas e de outros  procedimentos da sintaxe discursiva para criar efeitos de sentido de verdade ou de realidade com vistas a convencer seu interlocutor. O falante organiza sua estratégia discursiva em função de um jogo de imagens: a imagem que ele faz do interlocutor, a que ele pensa que o interlocutor tem dele, a que ele deseja transmitir ao interlocutor etc. É em razão desse complexo jogo de imagens que o falante usa certos procedimentos argumentativos e não outros. ...
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             O campo das determinações inconscientes é a semântica discursiva, pois o conjunto de elementos semânticos habitualmente usados nos discursos de uma dada época constitui a maneira de ver o mundo numa dada formação social. Esses elementos surgem a partir de outros discursos já construídos, cristalizados e cujas condições de produção foram apagadas. Esses elementos semânticos, assimilados individualmente pelo homem ao longo de sua educação, constituem a consciência e, por conseguinte, sua maneira de pensar o mundo. Por isso, certos temas são recorrentes na maioria dos discursos: os homens são desiguais por natureza; na vida, vencem os mais fortes; o dinheiro não traz felicidade etc. A semântica discursiva é o campo da determinação ideológica propriamente dita. Embora esta seja inconsciente, também pode ser consciente. ...
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A CONSCIÊNCIA É UM FATO SOCIAL  

 

             O discurso não é a expressão da consciência, mas a consciência é formada pelo conjunto dos discursos interiorizados pelo indivíduo ao longo de sua vida. ... O pensamento dominante em nossa sociedade reluta em aceitar a tese de que a consciência seja social, pois repousa sobre o conceito de individualidade e concebe, assim, a consciência como o lugar da liberdade do ser humano.
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A TRAPAÇA DISCURSIVA 

 

             O texto é individual, enquanto o discurso é social. Há um nível grande de liberdade no âmbito da textualização, enquanto no nível discursivo, o homem está preso aos temas e às figuras das formações discursivas existentes na formação social em que está inserido. Todos os discursos têm, para usar uma expressão de Edward Lopes, uma função citativa em relação a outros discursos. Na medida em que é determinado pelas formações ideológicas, o discurso cita outros discursos. Já o texto é individual. O falante organiza sua maneira de veicular o discurso. A ilusão da liberdade discursiva tem sua origem nesse fato. ...

             Como o mesmo discurso pode manifestar-se em diferentes textos, a liberdade de textualizar é muito grande, estando condicionada apenas pelos processos modelizantes de aprendizagem. O discurso é, pois, o lugar das coerções sociais, enquanto o texto é o espaço da liberdade individual. Como diz Edward Lopes, combinando uma simulação com uma dissimulação, o discurso é uma trapaça: ele simula ser meu para dissimular que é do outro. Essa dissimulação ocorre porque um plano de manifestação individual é que veicula um plano de conteúdo social. Assim, o discurso simula ser individual para ocultar que é social. Ao realizar essa simulação e essa dissimulação, a linguagem serve de apoio para as teses da individualidade de cada ser humano e da liberdade abstrata de pensamento e de expressão. O homem coagido, determinado, aparece como criatura absolutamente livre de todas as coerções sociais.
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FALAR OU SER FALADO? 

 

             O falante, suporte das formações discursivas, ao construir seu discurso, investe nas estruturas sintáticas abstratas temas e figuras, que materializam valores, carências, desejos, explicações, justificativas e racionalizações existentes em sua formação social. Esse enunciador não pode, pois, ser considerado uma individualidade livre das coerções sociais, não pode ser visto como agente do discurso. Por ser produto de relações sociais, assimila uma ou várias formações discursivas, que existem em sua formação social, e as reproduz em seu discurso. É nesse sentido que se diz que ele é suporte de discursos.
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ARENA DE CONFLITOS E PALCO DE ACORDO  

 

             Se um discurso cita outro discurso, ele não é um sistema fechado em si mesmo, mas é um lugar de trocas enunciativas, em que a história pode inscrever-se, uma vez que é um espaço conflitual e heterogêneo ou um espaço de reprodução. Um discurso pode aceitar, implícita ou explicitamente, outro discurso, pode rejeitá-lo, pode repeti-lo num tom irônico ou reverente. Um discurso sempre cita outro discurso. Um texto pode citar outro texto. As relações entre os textos podem também ser contratuais ou polêmicas.
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             A análise vai mostrar a que formação discursiva pertence determinado discurso. O sujeito inscrito no discurso é um efeito de sentido produzido pelo próprio discurso, isto é, seus temas e suas figuras é que configuram a visão de mundo do sujeito. Se, do ponto de vista genético, as formações ideológicas materializadas nas formações discursivas é que determinam o discurso, do ponto de vista de análise, é o discurso que vai revelar quem é o sujeito, qual é sua visão de mundo. O que importa para o analista é que todo discurso desvela uma ou várias das visões de mundo existentes numa formação social. O homem não escapa de suas coerções nem mesmo quando imagina outros mundos. Na ficção científica, por exemplo, em que o homem cria outros universos, revela os anseios, os temores, os desejos, as carências e os valores da sociedade em que vive. ...
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             Porque o homem age e transforma a realidade, não a apreende passivamente. A forma de apreensão depende do sujeito cognoscente, isto é, do gênero de prática, acumulada na filogênese e na ontogênese, de que dispõe. É por isso que uma mesma realidade pode ser apreendida diversamente por homens distintos. A consciência humana depende, pois, da linguagem assimilada. ... Pode-se concluir que o discurso é, ao mesmo tempo, prática social cristalizada e modelador de uma visão de mundo.
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O LUGAR DA LINGUAGEM  

 

             A língua em si não é um fenômeno que tenha um caráter de classe, uma vez que ela existia nas sociedades sem classe, existe nas formações sociais com classe e continuará existindo quando as classes forem abolidas. No entanto, as classes usam a linguagem para transmitir suas representações ideológicas. Ela também não é propriamente um fenômeno de superestrutura, mas é o veículo das representações ideológicas. ...
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COMUNICAR É AGIR  

 

             Quando um enunciador comunica alguma coisa, tem em vista agir no mundo. Ao exercer seu fazer informativo, produz um sentido com a finalidade de influir sobre os outros, deseja que o enunciatário creia no que ele lhe diz, faça alguma coisa, mude de comportamento ou de opinião, etc. Ao comunicar, age no sentido de fazer-fazer. Entretanto, mesmo que não pretenda que o destinatário aja, ao fazê-lo saber alguma coisa, realiza uma ação, pois torna o outro detentor de um certo saber
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             Comunicar é também agir num sentido mais amplo. Quando um enunciador reproduz em seu discurso elementos da formação discursiva dominante, de certa forma, contribui para reforçar as estruturas de dominação. Se se vale de outras formações discursivas, ajuda a colocar em xeque as estruturas sociais. No entanto, pode-se estar em oposição às estruturas econômico-sociais de uma maneira reacionária, em que se sonha fazer voltar um mundo que não mais existe, ou de uma maneira progressista, em que se deseja criar um mundo novo. Sem pretender que o discurso possa transformar o mundo, pode-se dizer que a linguagem pode ser instrumento de libertação ou de opressão, de mudança ou de conservação.
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             A linguagem é, ao mesmo tempo, autônoma em relação às formações sociais e determinada por fatores ideológicos. Por isso, o linguista deve distinguir níveis e dimensões em que existe relativa autonomia e níveis e dimensões que sofrem coerções ideológicas. Em nosso ponto de vista, a determinação ideológica revela-se, em toda sua plenitude, no componente semântico do discurso. As formações ideológicas presentes numa dada formação social determinam formações discursivas. Estas materializam aquelas. Estabelecem um conjunto de temas e de figuras com que o "indivíduo" fala do mundo exterior e interior.
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             As coerções ideológicas constituem, assim, um elemento pré-semântico que determina o componente semântico. ...
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             A análise do discurso vai, à medida que estuda os elementos discursivos, montando por inferência a visão de mundo dos sujeitos inscritos no discurso. Depois, mostra que é que determinou aquela visão nele revelada.   ...
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              A concepção do discurso como fenômeno, ao mesmo tempo autônomo e determinado, obriga a análise a voltar-se para dentro e para fora, para o texto e para o contexto, para os mecanismos internos de agenciamento de sentido e para a formação discursiva que governa o texto. A análise, embora não negue a relativa autonomia do discurso, não o vê como uma autarcia, pois a chave para sua inteligibilidade última não está nele mesmo, mas na formação ideológica que o governa. As determinações últimas do texto estão nas relações de produção.
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             O itinerário pelo discurso não se esgota no interior do próprio discurso, mas se projeta na história. É preciso levar em conta o intertexto [conjunto de discursos a que um discurso remete e no interior do qual ele ganha seu significado pleno] para ler o texto.
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             A análise do discurso deve desfazer a ilusão idealista de que o homem é senhor absoluto de seu discurso. Ele é antes servo da palavra, uma vez que temas, figuras, valores, juízos etc. provêm das visões de mundo existentes na formação social."...


Fiorin, José Luiz. Linguagem e ideologia. 8ª ed. (rev e atualizada). São Paulo: Ática, 2007.

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Cláudio Carvalho Fernandes
Enviado por Cláudio Carvalho Fernandes em 08/01/2024
Alterado em 08/01/2024
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