ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE
LINGUAGEM, ESCOLA E SOCIEDADE
CLÁUDIO CARVALHO FERNANDES
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1 – “DEFICIÊNCIA LINGÜÍSTICA?” ............................................................. 06
2 – “DIFERENÇA NÃO É DEFICIÊNCIA” ..................................................... 08
3 – “NA ESCOLA, DIFERENÇA É DEFICIÊNCIA” ...................................... 10
4 – “QUE PODE FAZER A ESCOLA?” ........................................................... 12
CONSIDERAÇÕES FINAIS SINOPSE
O texto que se vai expor apresenta as considerações
desenvolvidas particularmente no delineamento dos respectivos
capítulos do livro Linguagem e Escola, da autora Magda Soares, constante na
bibliografia adiante referenciada, relevando os pontos fundamentais das
teorias e propostas pedagógicas que dizem respeito às relações entre
sociedade, escola e linguagem, segundo uma perspectiva social, e
direcionando-se para sua articulação e integração no sentido de se
compreender o caráter político-ideológico do uso e do ensino da língua numa
práxis compromissada com a transformação social que a realidade requer.
INTRODUÇÃO
O texto ora apresentado aborda a temática de conteúdos efetivada em discussões sobre as
relações entre linguagem e escola, objetivando a compreensão do problema da
educação das camadas populares no Brasil. Nessa perspectiva, procura-se,
além de resumir o aporte específico da matéria de estudo, avaliar a contribuição de tais conjuntos na apresentação dos seus
respectivos conteúdos sobre as teorias da deficiência lingüística, das
diferenças lingüísticas e do capital lingüístico escolarmente rentável, bem
como as possibilidades da escola em relação às concepções tratadas.
O trabalho abrange os quatro capítulos apresentados como
atividade de seminário em sala de aulas, com a primeira parte correspondendo
à ideologia da deficiência cultural, seguindo-se a abordagem das idéias
relativas à teoria das diferenças lingüísticas e, posteriormente, a teoria do
capital lingüístico escolarmente rentável. Finalmente, na seqüência, trata-se
das possíveis respostas para a compreensão da crise da linguagem e seus
encaminhamentos.
A abordagem da crise da linguagem sob a perspectiva das
relações entre a atividade lingüística, escola e sociedade põe em relevo a
participação da instituição escolar diante das transformações requeridas pelas
camadas populares no processo de democratização do ensino que marca a
contemporaneidade.
As teorias originárias de ramos do conhecimento científico,
como a Sociologia, a Sociologia da Linguagem e a Sociolingüística, podem
ser articuladas e integradas com vistas a uma contribuição original no sentido
de evidenciar as dimensões política e ideológica do uso da língua na
comunicação pedagógica.
A democratização do saber, sob o discurso oficial, desenvolve-
se mediante o influxo de ideologias como a do dom, a da deficiência cultural e
a das diferenças culturais, e suas análises tornam-se pertinentes numa crítica
das relações entre o papel da linguagem e a correspondente participação da
escola.
“DEFICIÊNCIA LINGÜÍSTICA?”
A investigação do problema das dificuldades de aprendizagem e
do fracasso, na escola, das crianças “pobres”, antes de buscar a sua explicação
na marginalização de grande parte dessas camadas populares pela estrutura
capitalista da sociedade, concebeu, sob diversas maneiras, causas e soluções
impróprias para tal fato, podendo o desenvolvimento do seu raciocínio
evolutivo ser sintetizado nas teorias da deficiência lingüística, teoria das
diferenças lingüísticas e teoria do capital lingüístico escolarmente rentável,
seguidas de uma concepção de escola transformadora.
A primeira dessas ideologias procurou, através de uma análise
supostamente “científica”, realizada principalmente pela Psicologia,
responsabilizar a própria condição da criança pobre e seu contexto cultural
por, segundo essa teoria da deficiência cultural, gerar “doenças”, “defeitos”,
“deficiências”, numa verdadeira patologização da pobreza, enquanto as reais
causas econômicas, sociais e políticas da desigualdade permaneciam
dissimuladas por explicações convenientes à estrutura capitalista das
sociedades em que se manifestava o questionamento do sistema de ensino.
Dentre as idéias da teoria da deficiência cultural, a hipótese do
déficit lingüístico afirma que as crianças das camadas populares chegam à
escola com uma linguagem deficiente, com vocabulário pobre, sintaxe confusa
e outros problemas relativos às atividades escolares e aprendizagem.
Também, para a teoria da carência cultural, crianças dessas
camadas populares, ao contrário das favorecidas, apresentam tal défict
lingüístico como resultado da privação lingüística de que são vítimas no
contexto cultural em que vivem, particularmente em seu ambiente familiar e
comunidade social, que não as estimulariam verbalmente para a reflexão, a
abstração e o pensamento lógico, daí resultando um correspondente déficit
cognitivo.
A teoria de Bernstein, de que é a estrutura social que determina
o comportamento lingüístico, colaborou involuntariamente para a teoria da
deficiência lingüística, embora o sociólogo inglês ressalte que o código
lingüístico não apenas reflete a estrutura de relações sociais, mas também a
regula.
Segundo Bernstein, existem duas variedades lingüísticas, o
código elaborado e o código restrito, que são determinadas pela forma de
relação social, com as crianças de classe média participando de um processo
de socialização que levaria à aquisição de ambos os códigos, enquanto as
crianças de classes menos favorecidas teriam acesso apenas ao código restrito
em seu processo de socialização. O código elaborado usa uma estrutura
gramatical mais completa ao passo que o código restrito se utiliza de uma
estrutura gramatical mais simples.
A solução encontrada pela ideologia da deficiência cultural para
os problemas da escola foi oferecer às camadas populares programas especiais
de uma educação compensatória para contrabalançar as deficiências e
carências culturais e lingüísticas geradas pela suposta privação cultural domeio social e familiar, com tais modelos chegando ao Brasil com um atraso de
quase vinte anos em relação à sua origem, em que já eram então questionados,
o que explica parcialmente o seu insucesso, seja pelo preconceito por parte
dos professores, cujas expectativas de fracasso do aluno se tornavam
realidade, seja pelo fracasso da escola, patente no repúdio do
comportamento lingüístico das crianças das camadas populares, ou ainda pela
responsabilidade da própria sociedade e sua estrutura discriminatória como
causas desse insucesso.
“DIFERENÇA NÃO É DEFICIÊNCIA”
O conceito de deficiência lingüística foi criado por sociólogos e
principalmente por psicólogos, recebendo severas críticas de lingüistas e
sociolingüistas, por revelar-se cientificamente falso ao aceitar a premissa de
que pode haver línguas ou variedades lingüísticas superiores e inferiores,
melhores ou piores. É certo que a língua e o comportamento lingüístico de
seus falantes mantêm estreita relação com a cultura em que ocorrem, mas
assim como a Antropologia já demonstrou que não se pode considerar uma
cultura superior a outra, porque cada uma é igualmente complexa e lógica,
também não há como discriminar línguas entre si ou suas variedades, pois
todas elas atendem às necessidades e características da cultura a que servem,
havendo somente um maior desenvolvimento funcional de algumas em
relação a outras.
A evidência antropológica e sociolingüística demonstra que as
línguas são apenas diferentes umas das outras e mesmo numa comunidade
lingüística a própria língua apresenta-se de forma heterogênea e não uniforme,
devido às diferenciações geográficas e sociais provocarem diferenciações
lingüísticas que compõem as variedades regionais e as linguagens uubana e
rural, ou os dialetos sociais (socioletos) e registros (formal/coloquial).
Todos os dialetos são sistemas lingüísticos complexos, lógicos e
estruturados e os preconceitos contra dialetos sociais geram estereótipos como
o conceito de deficiência lingüística, havendo, portanto, uma razão social e
não lingüística na comparação entre variedades. Apesar de ser fruto do
preconceito e, por isso, ser uma impropriedade científica, o conceito de
deficiência lingüística tem servido para legitimar a discriminação na escola
dos alunos de camadas populares
Para contestar essa teoria, o sociolingüista estadunidense
William Labov realizou pesquisas sobre as relações entre linguagem e classes
sociais utilizando um modelo quantitativo, obtendo resultados contrários à
teoria da deficiência lingüística e desmistificando a lógica da privação
lingüística ao mostrar que as dificuldades de aprendizagem são criadas pela
própria sociedade em geral.
Apesar de seus estudos confirmarem o fato que deu origem à
teoria da deficiência lingüística, o fracasso escolar das crianças dos guetos,
Labov rejeitou o “mito” da deficiência lingüística por falta de base na
realidade social, constatando que tais crianças recebem muita estimulação
verbal, ouvem uma linguagem mais estruturada que a de classe média e
participam de uma cultura intensamente verbal.
Segundo Labov, a teoria da privação verbal se fundamenta em
resultados artificiais, com a situação estranha e ameaçadora da entrevista
influindo nos resultados e as diferenças assinaladas não sendo de linguagem
mas de comportamento diante da situação teste. Com as mudanças na
metodologia de pesquisa há resultados diferentes que demonstram que os
falantes das classes populares narram, raciocinam e discutem com mais
eficiência, sendo o dialeto popular direto, econômico, preciso, sem redundâncias e diferindo do dialeto padrão de modo regular e de acordo com
regras, além de oferecer formas equivalentes para a expressão do mesmo
conteúdo lógico.
Labov conclui que a principal falácia da teoria da privação
verbal é atribuir o fracasso escolar a uma inexistente deficiência lingüística,
quando deveria ser relacionado aos obstáculos sociais e culturais à
aprendizagem, à inabilidade da escola em ajustar-se à realidade social, e a uma
inversão lógica, de se planejar corrigir a criança e não a escola.
Enquanto a teoria da deficiência lingüística considera que há
conflitos estruturais e funcionais entre os dialetos não-padrão e o dialeto
padrão, propondo a eliminação pela escola dos dialetos não-padrão e sua
substituição pelo dialeto padrão, a teoria das diferenças lingüísticas admite
que os dialetos são apenas funcionalmente conflitivos, mas estruturalmente
equivalentes, ensejando uma postura mais radical em relação a este conflito
funcional, qual seja a de mudança de atitude de professores e da população em
geral para a constituição de uma sociedade livre de preconceitos lingüísticos,
com o ensino, livros e alfabetização devendo utilizar o dialeto dos alunos.
Esta
posição é criticada como utópica e alienada da realidade social.
A postura mais adotada na perspectiva das diferenças dialetais é
a do bidialetalismo, a aprendizagem também do dialeto padrão pelos falantes
de dialetos não-padrão. Labov também se posiciona a favor do bidialetalismo
funcional, com mudança de atitudes em relação às variedades dialetais.
Tal solução pressupõe que a sociedade não é responsável pelos
conflitos funcionais que nela ocorrem entre dialetos não-padrão e dialeto
padrão, pretendendo-se uma adaptação das classes desfavorecidas às
condições sociais, com a escola tendo o papel de preservar o equilíbrio social,
retificando desvios. O bidialetalismo funcional dissimula as contradições e as
discriminações das sociedades estratificadas em classes.
“NA ESCOLA, DIFERENÇA É DEFICIÊNCIA”
Em relação à teoria anteriormente formulada, das diferenças
lingüísticas, considera-se que tal não contribui efetivamente com o
esclarecimento ou resolução da situação de marginalização das classes
populares em sua relação com a escola (e/ou além desta) porque apenas
incorporaria um novo termo para o vocabulário da discriminação social,
econômica e educacional, sem buscar a causa essencial da problemática das
verdadeiras relações entre educação e sociedade.
As causas estruturais da marginalidade social, seja por
“deficiências”, seja por “diferenças”, não são postas em questão pelas
respectivas teorias anteriores, da deficiência cultural e lingüística e das
diferenças culturais e lingüísticas, que consideram a escola como instrumento
de superação dessa marginalidade, ignorando as determinações externas e
movendo-se no sentido não da transformação da sociedade discricionária mas
sim rumo a uma integração e adaptação dessas classes à sociedade tal como
ela é, discriminante e marginalizadora.
Para os sociólogos Bordieu e Passeron, a escola exerce um
poder de violência simbólica, de imposição da cultura e, com esta, da
linguagem das classes dominantes às classes dominadas, emprestando
legitimidade tanto à cultura como à linguagem dos grupos dominantes.
Assim,
a finalidade da escola tem sido precisamente manter e perpetuar a estrutura
social, suas desigualdades e os privilégios que confere a uns em prejuízo de
outros, e não, como deveria ser, promover a igualdade social e a superação das
discriminações e da marginalização.
Para Bordieu, não se pode dissociar a linguagem da estrutura
social em que é usada, uma vez que uma relação de comunicação lingüística é,
para ele, fundamentalmente, uma relação de força simbólica que opera no
universo social, onde, além de bens materiais (força de trabalho, mercadorias,
serviços), também circulam bens simbólicos (informações, conhecimentos,
livros, obras de arte, música, teatro), com a linguagem sendo um desses bens
simbólicos, que, como os bens materiais numa sociedade capitalista, podem
ser trocados entre grupos e indivíduos, gerando relações de força materiais e
relações de força simbólicas.
Na economia das trocas simbólicas, o preço do produto
lingüístico depende não só das mensagens que veicula, mas também da
posição e da importância que tem, na estrutura social, o grupo a que pertence
quem o produz, passando a ser considerada como linguagem legítima (no
sentido de costume cultural dominante, de reconhecimento tácito, com
autoridade e poder). Bordieu sugere a substituição do conceito de competência
lingüística, no sentido chomskyano, pelo conceito de capital lingüístico,
relacionado ao conceito de mercado lingüístico, onde a línguagem legítima se
converte em capital (lingüístico).
A unificação do mercado cultural e lingüístico é conseqüência
da unificação do mercado econômico, com a escola atuando na transformaçãoda cultura e linguagem dos grupos dominantes em capital cultural e
lingüístico, uma vez que ela usa e quer ver usada a linguagem “legítima”.
Na escola, as relações de força lingüística se manifestam de
duas formas: nas relações de comunicação pedagógica (as atividades do
contexto escolar) e nas relações de inculcação lingüística (o ensino da
linguagem “legítima”, das classes privilegiadas).
Os alunos pertencentes a classes dominantes chegam à escola já
em condições de usar a língua que nela se mostra como “legítima” (com
maiores possibilidades de domínio do capital lingüístico escolarmente
rentável) enquanto os alunos pertencentes a camadas populares adquirem,
familiarmente, uma linguagem não-legítima (para Bordieu, uma linguagem
não reconhecida socialmente). Assim, “a desigual distribuição, entre as
diferentes classes sociais, do capital lingüístico escolarmente rentável constitui
uma das mediações mais bem dissimuladas pelas quais se instaura a relação
entre a origem social e o êxito escolar”.
O que a escola dá é a capacidade de
identificar certa linguagem como legítima, reconhecendo-a. E o que ela não dá
é o conhecimento dessa linguagem, a capacidade de produção e de consumo
da linguagem “legítima”.
Portanto, chega-se à conclusão de que a solução não está na
escola, pois o fracasso dos alunos das camadas populares é apenas mais um
aspecto da dominação que tais parcelas da sociedade sofrem, atendendo aos
interesses das classes dominantes. A igualdade de rendimento na escola só
poderia ser garantida com a eliminação das discriminações e das
desigualdades sociais e econômicas.
BORDIEU
A exposição das idéias de Bordieu sobre a economia das trocas lingüísticas, embora não
tenha explorado mais profundamente o aspecto da proposta de substituição do
conceito chomskyano de competência lingüística pelo conceito de capital
lingüístico, poderia conduzir a discussões de relevo muito interessantes.
Também se destacou o tratamento da razão de uma perspectiva negativa de
solução da crise da linguagem pela escola, na observância dos aspectos de
crítica do papel da instituição escolar segundo sua inserção na sociedade.
“QUE PODE FAZER A ESCOLA?”
As respostas das três teorias estudadas, sobre o que pode fazer a
escola
a respeito da problemática social da linguagem apresentam
semelhanças e diferenças, ora aproximando uma e outra teoria, ora
distanciando-as.
No sentido da concepção das relações entre educação e
sociedade, a teoria da deficiência lingüística e a teoria das diferenças
lingüísticas atribuem à escola a função de adaptar o aluno à sociedade
enquanto que a teoria do capital lingüístico escolarmente rentável considera
que a função da escola é preservar as discriminações sociais.
Já o estudo descritivo das diferenças de linguagem entre classes
sociais aproxima a teoria das diferenças lingüísticas da teoria do capital
lingüístico escolarmente rentável, que têm como objetivo, nesse aspecto,
respectivamente, analisar a própria linguagem e analisar as relações de força
materiais e simbólicas na estrutura social de classe.
Quanto ao papel que a escola pode desempenhar no contexto
das relações entre educação e classes sociais, enquanto a teoria das diferenças
lingüísticas diz que a escola pode contribuir com a proposta do bidialetalismo
funcional, a teoria do capital lingüístico escolarmente rentável nega qualquer
possibilidade de solução da instância escolar por esta já ser determinada pelos
aspectos sociais e econômicos de uma sociedade dividida em classes.
Divergindo de ambas, numa atitude prescritiva em relação às diferenças de
linguagem entre classes sociais, a teoria da deficiência lingüística chama as
diferenças de deficiências, propondo sua correção através de uma educação
compensatória.
O fenômeno conhecido como crise da linguagem relaciona-se
com o processo de democratização do ensino, que respondeu às reivindicações
das camadas populares com um crescimento quantitativo e diversidade do
alunado. Como a escola sempre se destinou às classes favorecidas e não se
reformulou para seus novos objetivos e nova função, a nova situação gera a
crise da linguagem, que pode ser entendida também como crise da instituição
escolar. Para o problema do que a escola pode fazer quanto ao conflito
lingüístico nela criado, expressam-se duas respostas antagônicas que
consideram ou que a sociedade é harmoniosa e justa, com o conflito podendo
ser corrigido e superado (escola redentora), ou que a sociedade é
discriminadora e injusta, responsável pelo conflito que a escola preserva
(escola impotente).
A escola redentora tem como papel libertar o aluno de sua
marginalidade lingüística, seja através da erradicação das deficiências
lingüísticas por programas de educação compensatória, seja através da
aquisição da linguagem de prestígio, para adaptar-se às exigências da
sociedade.
Quanto à concepção de escola impotente, numa perspectiva
crítica da sociedade capitalista, vê-se a escola modelada segundo as relaçõeseconômicas e sociais de tal sociedade, nada podendo fazer contra as
desigualdades e discriminações geradas fora dela. Assim, a escola chega até
mesmo a ser perversa, porque colabora para a manutenção das discriminações,
reproduzindo as desigualdades (teoria da escola reprodutora – Bordieu).
Mas há os que consideram a escola como uma instância de
transformação social, integrada aos processos gerados pelas relações de
contradição de uma sociedade estratificada em classes, sendo uma escola
progressista.
Na idéia de uma escola transformadora, as contradições nas
relações sociais são o germe da transformação social, buscando a superação
das desigualdades. Se as classes dominantes vêem a escola com a função de
legitimar seus privilégios, as camadas populares consideram-na como a
instância de aquisição do instrumental necessário à luta contra a desigualdade.
A escola transformadora é justamente uma escola consciente do seu papel
político na luta contra as desigualdades sociais e econômicas.
Sua proposta pedagógica na área da linguagem aproxima-se do
bidialetalismo, mas, no aspecto ideológico, sem rejeitar os dialetos das
camadas populares, apenas utilizando-o como instrumentalização do aluno.
O bidialetalismo de uma escola transformadora reflete-se em
todas as atividades escolares em que a língua é instrumento básico de
comunicação e não apenas no ensino da língua materna, propondo-se como
possibilidade não para a adaptação do aluno a um dialeto alienígena ao seu
grupo social, mas para transformar as suas condições de marginalidade, no
percurso de uma opção, além de técnica, política.
SÍNTESE DAS TEORIAS ANTERIORES
A síntese das teorias anteriores trabalhada
possibilitou uma visão geral do problema da concepção das relações entre
educação e sociedade, permitindo também a compreensão da crise da
linguagem como função da respectiva participação discriminadora da escola
nos processos sociais da coletividade. A relação com a realidade nacional e a
necessidade social premente de implementação de uma escola transformadora
foram aspectos oportunizados de forma diferenciada, mas suficientemente,
conduzindo a um bom aproveitamento da atividade de reflexão desenvolvida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo o que foi exposto, ressalta-se a importância do conhecimento de cada uma das teorias
enquanto marcas ideológicas e como estas se inserem na discussão do projeto
de uma escola que contribua efetivamente para a transformação social. Desde
o suposto anacronismo de uma concepção ainda muito disseminada nas
práticas cotidianas da nossa realidade, e que cumpre superar, passando pela
contribuição mais aprimorada dos estudos relativos à constatação das
diferenças, até a perspectiva (ou falta de perspectiva) da teoria do capital
lingüístico escolarmente rentável, a pesquisa (socio)lingüística tem
contribuído significativamente, em especial pela interdisciplinariedade e
múltiplas visões, para o reenquadramento das possibilidades de transformação
geral de uma sociedade marcada por profundas desigualdades.
Também avulta como síntese possível, a questão até
metodológica de se trabalhar as diferenças dentro de uma perspectiva prática
de instrumentalização lingüística que privilegie a atuação, inclusive pontual
(mas) sistemática (e/ou sistematizada), socialmente congruente, que possa
convergir para a integração dos indivíduos nas respectivas comunidades,
superando-se o etnocentrismo, e a justa inserção destas no aproveitamento dos
benefícios advindos da coletividade e do esforço humanos
BIBLIOGRAFIA
SOARES, Magda. Linguagem e Escola - uma perspectiva social. 7a
edição. São Paulo, Editora Ática, 1989.