“Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
[...]
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente.”
Andrade, Carlos Drummond de. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 1982, Caderno B.
A primeira pergunta que deve-se fazer ao pensar em Invasão Cultural é: Qual é a nossa cultura? Vejamos. Aqui neste território não havia ninguém, exceto os indígenas, quando chegaram os portugueses. Estes trouxeram os negros e depois foram chegando os outros europeus. Se formos olhar rigorosamente para a nossa história para responder a esta pergunta, diríamos que a nossa cultura é a indígena. Mas há algo que nos impede de fazer isto. No Brasil, ouve-se falar muito sobre a beleza da mistura, portanto, nós somos uma mistura. E a nossa cultura é esta mistura.
Mas, como tudo, isto tem limites, e o mais complicado é defini-los. Os portugueses quando aqui chegaram em 1500 e invadiram a vida dos indígenas, tinham um grande interesse, que era a conquista de novos territórios e, posteriormente, quando descobriram a riqueza mineral do país, seu interesse era a exploração. Com a presença deles, a cultura indígena foi sendo afetada e foi se modificando. Depois os negros, trazidos pelos portugueses, que foram trazidos também por interesse dos portugueses. Depois vieram holandeses (séc. XVII), franceses (séc.XVIII) e ingleses (séc. XIX), todos por interesses econômicos, como Portugal. Podemos considerar que Portugal invadiu o Brasil culturalmente, porque aqui os indígenas já tinham sua cultura e os portugueses simplesmente substituíram-na pela sua. Aconteceu e ninguém impediu.
Hoje a principal invasão que o Brasil sofre é a estadunidense. Esta intensificou-se após a 2a Guerra Mundial, quando aqui estávamos no governo de Getúlio Vargas, na corrida pelo desenvolvimento industrial. Dali em diante, esta foi se intensificando cada vez mais e hoje estamos praticamente dominados. Através de empréstimos, viramos dependentes economicamente. Abrimos nossas portas para as multinacionais, para a mídia exterior, para o marketing, e, assim, nossa cultura foi mudando. Vieram as calças jeans, o rock and roll, os cigarros Hollywood, o surf, a Coca-cola, o McDonald’s, os filmes do Rambo etc. E fizemos como aqueles indígenas que aceitavam os espelhos dos portugueses pelas pepitas de ouro. Assim como eles, não sabíamos do valor do nosso samba, do nosso frevo, das nossas caipirices e das nossas festas de rua. Mas os outros sabiam e fizeram questão de roubar nossa beleza. E nós entregamos o nosso ouro por um espelho. Nos iludimos.
Mas talvez a nossa diferença daqueles primeiros invadidos seja a consciência. Agora, há pouco mais de 50 anos de invasão, começa-se a percebê-la. Começa-se a tentar evitá-la. Arrisco dizer que começamos a valorizar o que é nosso, e estamos iniciando um processo de rejeição desta invasão. É claro, esta consciência não é geral, ela está se iniciando. Talvez por moda, pois hoje em dia é moda dizer que é brasileiro e que não come no McDonald’s, assim como o era na época da ditadura militar, na época de “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Aquela era uma forma de manipulação, pois as pessoas, infladas de seu falso patriotismo, não prestavam atenção na política e nas ações do governo. Assim como, hoje em dia, o anti-americanismo serve como distração da real situação.
Apesar do modismo, o primeiro passo deve ser dado em direção à real independência do Brasil, seja ele pelo motivo que for. Os jovens precisam primeiro rejeitar radicalmente – como sempre -, para que depois reflitam sobre o porquê de fazê-lo (isso já é uma tarefa mais difícil). E toda a população precisa ter consciência do valor da sua cultura, para que entenda a razão da necessidade de sua preservação e, por conseqüência, entenda a razão de se evitar a invasão desta. Moro num país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, mas que beleza!
Publicado: Sexta-feira, 19 de agosto de 2005
https://www.itu.com.br/artigo/invasao-cultural-20100202