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Biblioterapia
Literatura faz bem para a saúde
Não é de admirar que a leitura tenha se tornado um recurso terapêutico ao longo dos tempos
Por Moacyr Scliar *
Revista Vida Simples - 02/2008
"É difícil / extrair novidades de poemas / no entanto, pessoas morrem miseravelmente / pela falta daquilo que ali se encontra." O poeta e dramaturgo modernista americano [estadunidense] William Carlos Williams (1883-1963) sabia do que estava falando quando escreveu esses versos: Além de escritor multitalentoso, tinha formação em medicina e efetivamente trabalhava cuidando da saúde dos outros. A partir de sua afirmativa, a pergunta se impõe: O que existe, nos poemas e na literatura em geral, que pode manter as pessoas vivas e, quem sabe, até ajudar na cura de algumas doenças?
Em primeiro lugar, podemos destacar as próprias palavras. Que são, como costumavam dizer os antigos gregos, um verdadeiro remédio para as mentes sofredoras. Não se tratava só de uma metáfora engenhosa e sedutora: no século 1 d.C. o médico romano Soranus prescrevia poemas e peças teatrais para seus pacientes. O teatro, aliás, era considerado uma válvula de escape para aquelas emoções reprimidas que todos têm, através da catarse (alívio) que proporciona.
A palavra tem um efeito terapêutico. Verbalizar ajuda os pacientes, e esse é o fundamento da psicoterapia - ou "talk therapy", como dizem os americanos [estadunidenses]. E a inversa é verdadeira: Ao ouvir histórias, as crianças sentem-se emocionalmente amparadas. E não apenas elas, claro. Todos nós gostamos de escutar causos e de nos identificarmos com alguns deles. Dizia Bruno Bettelheim (1903-1990), psicólogo americano [estadunidense] de origem austríaca, sobrevivente dos campos de concentração nazistas: "Os contos de fadas, à diferença de qualquer outra forma de literatura, dirigem a criança para a descoberta de sua identidade. Os contos de fadas mostram que uma vida compensadora e boa está ao alcance da pessoa, apesar das adversidades".
Não é de admirar, portanto, que a leitura tenha se transformado em recurso terapêutico ao longo dos tempos. No primeiro hospital para doentes mentais dos Estados Unidos, o Pennsylvania Hospital (fundado em 1751 por Benjamin Franklin), na Filadélfia, os pacientes não apenas liam como escreviam e publicavam seus textos num jornal muito sugestivamente chamado The Illuminator ("O Iluminador", em inglês). Nos anos 60 e 70 do século 20, o termo "biblioterapia" passou a designar essas atividades. Logo surgiu a "poematerapia", desenvolvida em instituições como o Instituto de Terapia Poética de Los Angeles, no estado americano [estadunidense] da Califórnia. Aliás, nos Estados Unidos existe até uma Associação Nacional pela Terapia Poética.
Aqui no Brasil, já temos várias experiências na área. No livro O Terapeuta e o Lobo - A Utilização do Conto na Psicoterapia da Criança, o psiquiatra infantil, poeta e escritor Celso Gutfreind destaca a enorme importância terapêutica do conto, como forma de reforço à identidade infantil e como antídoto contra o medo que aflige tantas crianças. Também é de destacar o Projeto Biblioteca Viva em Hospitais, realizado no Rio de Janeiro e mantido pelo Ministério da Saúde, pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e por um grande banco. A leitura, realizada por voluntários, ajuda a criança a vencer a insegurança do ambiente estranho e da penosa experiência da doença, terrível para todos, mas ainda mais amedrontadora para os pequenos.
Finalmente, é preciso dizer que a literatura pode colaborar para a própria formação médica. Muitas escolas de medicina pelo mundo, inclusive no Brasil, estão incluindo no currículo a disciplina Medicina e Literatura. Através de textos como A Morte de Ivan Illich, do escritor russo Léon Tolstoi (em que o personagem sofre de câncer), A Montanha Mágica, do alemão Thomas Mann (que fala sobre a tuberculose) e O Alienista, do brasileiro Machado de Assis (uma sátira às instituições mentais do século 19), os alunos tomam conhecimento da dimensão humana da doença. E assim, mesmo que muitas vezes indiretamente, a literatura passa a ajudar pacientes de todas as idades.
*Moacyr Scliar, autor deste texto, falecido recentemente, em 27 de fevereiro de 2011, era médico sanitarista e um dos principais escritores brasileiros, autor de, entre outros, A Paixão Transformada, um ensaio sobre as relações entre medicina e literatura.