ROMANTISMO
Romantismo - Conceito
Introdução
A origem do Romantismo prende-se ao progresso econômico, político e social da burguesia. Após a Revolução Francesa (1789), com os ideais de Liberdade/ Igualdade/ Fraternidade, o regime absolutista entra em crise, cedendo lugar ao liberalismo. Assim, a literatura romântica estabelece-se como instrumento burguês de uma visão de mundo que o transforma.
Na sociedade burguesa, o interesse econômico pesa e rege todas as decisões. O racionalismo, como conseqüência, tem primazia sobre tudo, pois é através da razão que se controla o capital e que a ele se tem acesso. Assim sendo, se a estrutura de poder impõe a razão e nega o exercício dos valores morais que não interessam à ordem econômica e se esse estado de coisas permite uma existência fria e impessoalizada, a nova arte, os novos valores culturais terão de mostrar um universo oposto, ou seja, um mundo de ilusão, de escapismo, dando ao leitor a impressão de que a vida é bem diferente da realidade. Por esses motivos o universo literário romântico é idealista, busca o alívio das tensões diárias, das frustrações. Tudo no mundo romântico é límpido e cristalino: o herói, a amada, as situações de honra, de bondade, de justiça. Os que não amam são feios, mesquinhos, hipócritas, levianos. Este movimento está situado longe do interesse econômico.
A literatura é diversão. O livro é um produto vendável que atende às expectativas do mercado e identifica-se com o público ou permanece parado nas livrarias. Esse modo de ligação entre autor e público é que determina a tônica da literatura romântica.
Caracterização
Embora a multiplicidade de características do Romantismo dificulte sua nítida configuração estética, pode-se dizer que sua essência está na liberdade criadora e individual do artista. O escritor romântico manifesta-se contra qualquer imposição, seja de princípios formais, seja de temáticas que possam limitar sua capacidade criadora. Como conseqüência dessa libertação, tem-se uma valorização do mundo pessoal: a obra processa-se como a "expressão do eu"; num total subjetivismo que faz do coração o centro do universo, resultando no triunfo do sentimento sobre a razão.
Individualismo e subjetivismo
O autor romântico enxerga tudo a partir de seu mundo pessoal; este, deixa-o deslocado em face dos valores sociais gerando um profundo sentimento de insatisfação, de amargura com a realidade exterior que, por sua vez, provoca um desejo de reformas sociais, ou a recusa da realidade através do refúgio nos sonhos, nas utopias ou no suicídio.
Nacionalismo
Do ideal de liberdade e igualdade nasce e vibra o sentimento patriótico. No caso brasileiro, o Brasil é exposto como um desdobramento do próprio Eu do artista. Há uma valorização dos elementos ligados à origem da pátria (folclore, lendas, etc.), o que dá ao Romantismo um caráter popular que o distancia do Neoclassicismo, das tendências elitistas. Na Europa, o nacionalismo encontra sua realização nos romances históricos, medievais, enquanto que, no Brasil, além do romance histórico, há o indianismo que apresenta uma visão idealizadora do indígena: valoroso e nobre, formador da nacionalidade, juntamente com o branco e o negro. Essa idealização provoca uma deformação da análise do indígena, que adquire contornos legendários.
Escapismo
O "eu" romântico, incapaz de resolver os conflitos com a sociedade, lança-se à evasão. No tempo, volta-se para o passado-infância; no espaço, refugia-se na Natureza ou em lugares exóticos e pitorescos. Nesse campo, a Natureza romântica é expressiva: seus mistérios e encantos seduzem a alma humana e abrem espaço para a projeção do estado de espírito do autor. Além disso, a fuga para o sonho, a loucura, e o sobrenatural estarão presentes nas obras românticas.
Mal do século
Estado de espírito indefinível que caracteriza a visão de alguns autores românticos, e que os leva à busca da solidão, ao gosto da melancolia e ao sofrimento. Somam-se a esses, tédio, dúvida, cinismo, morte, suicídio e negativismo boêmio.
Religiosidade (MISTICISMO)
A experiência religiosa, no que ela tem de inefável e misteriosa, atrai o artista romântico, unindo-se ao sentimento patriótico, formando com o mesmo uma constante na obra romântica.
Romantismo em Portugal
Introdução
Nos primeiros decênios do século XIX, Portugal é sacudido por uma série de transformações radicais, intimamente ligadas à ascensão da classe média, a qual promoverá, no âmbito político, a implantação do Liberalismo e, na esfera artístico-literária, a aniquilação dos valores estéticos vinculados aos padrões greco-latinos, uma vez que tais valores traduziam a mentalidade aristocrática francamente absolutista.
Em 1808, D. João VI, fugindo das tropas napolêonicas que invadem Portugal, chega ao Brasil. O Reino de Portugal sofre graves abalos com a ausência do rei. Em 1817, há uma tentativa de rebelião contra o poderio econômico inglês, encabeçada por Gomes Freire Andrade, que é reprimida com prisões e enforcamentos. Em 1820, instaura-se na cidade do Porto uma revolução de caráter liberal, a Revolução do Porto. Os vintistas convocam assembléias para uma nova constituição, fundada na Carta Magna Inglesa e influenciada pelos ideais da Revolução Francesa.
Anos mais tarde, Portugal vê-se em guerra civil: Dom Miguel (absolutista) X D. Pedro IV (liberal).
Contemporâneo dessa época eufórica, o Romantismo inicia-se em Portugal com a publicação de Camões de Almeida Garrett, em 1825. Com esse escritor, secundado por Alexandre Herculano, ambos participantes da militância política na linha liberal e que consideravam "a revolução literária como um dos aspectos da revolução social", firma-se a nova literatura destinada a traduzir a mentalidade burguesa.
Autores e obras
O Romantismo em Portugal está dividido, didaticamente, em três fases:
Primeira Fase
Influência clássica. Há ainda uma preocupação formal.
Almeida Garrett
Alexandre Herculano
Antônio Feliciano de Castilho
Segunda Fase
Ultra-romântica. Há excesso de sentimentalismo, subjetividade, individualismo e, principalmente, idealização.
Camilo Castelo Branco
Soares Passos
Terceira Fase
Prenuncia o Realismo. Caráter social.
João de Deus
Júlio Dinis
Almeida Garrett (1799 - 1854)
João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett ingressou na carreira artística com duas peças teatrais de cunho político e de gosto neoclássico, Mérope e Catão, que, representadas, obtêm sucesso. Ainda com tendências neoclássicas, há os poemas de A Lírica de João Mínimo e Retrato de Vênus.
Por motivos políticos, conheceu por diversas vezes o exílio, na França e na Inglaterra. Na França, em 1825, estimulado pelo clima romântico, movido pelo ímpeto nacionalista e pela saudade da Pátria, escreve e publica o poema Camões, marco inicial do Romantismo Português.
Com a vitória liberal, dedica-se à vida pública, tornando-se um dos intelectuais do regime ao lado de Alexandre Herculano. Em 1838, incumbido pelo Governo, encetou campanha pró-restauração da tradição dramática nacional. Nesse mesmo ano, encerra a sua primeira peça romântica, Um auto de Gil Vicente. No desejo de interpretar os sentimentos do povo, segundo as tendências então dominantes, Garrett realiza pesquisas folclóricas, valorizando a poesia anônima de tradição oral.
Em 1853, publica sua última coletânea de poesias, Folhas Caídas, nascidas de uma paixão tardia pela Viscondessa da Luz.
Obras - poesia
Camões: poema de dez cantos, estrofação irregular, decassílabos brancos; narra a vida da grande figura quinhentista, suas paixões, seu amor à pátria. Camões é mostrado como um personagem típico do Romantismo: idealista, sonhador, marginalizado pela sociedade, vítima da inconstância feminina.
D. Branca: poema voltado para o século XIII que retrata as últimas lutas da Reconquista.
Folhas Caídas: poemas mais românticos de Garrett,marcados pela intensidade emocional, pelo amor sensual, irresistível, real e vivido.
Há também Odes Anacreônticas, Retrato de Vênus, Lírica de João Mínimo, Flores sem Fruto.
Prosa
Viagens na Minha Terra: narrativa de viagem, entremeada de meditações filosóficas, reflexões sobre a literatura, enveredando também pela ficção.
Romanceiro: narrativas de cunho folclórico, inspiradas em composições populares.
Teatro
Um Auto de Gil Vicente: o autor presta uma homenagem ao iniciador do teatro em Portugal.
Frei Luís de Sousa: ambientado no século XVII, retoma situações ligadas à batalha de Alcácer-Quibir e ao mito de D. Sebastião. Entrecruzam-se fatalismo, sebastianismo, patriotismo, misticismo e lirismo.
Há ainda: D. Filipa de Vilhena e Alfageme de Santarém
Alexandre Herculano (1810 - 1899)
No dizer de A. J. Saraiva, "Herculano é o verdadeiro doutrinador do Romantismo em Portugal. O classicismo era, segundo Herculano, a expressão de despotismo monárquico, uma literatura nascida e desenvolvida nas cortes reais e para elas; era preciso substituí-las por uma literatura popular e verdadeiramente nacional. Por literatura popular e nacional entendia Herculano uma literatura para as multidões; e, além disso, que fosse o produto espontâneo da vida social e não imitada dos modelos greco-latinos".
Estudou na Torre do Tombo.
Participou do Exército Liberal de D. João IV.
Dirigiu a revista romântica de história e literatura, "O Panorama".
Introduziu o romance histórico em Portugal, em 1843, com a obra O Bobo.
A época histórica, que geralmente se faz como ambiente de suas obras, é a Idade Média. Daí possuir religiosidade e nacionalismo.
Obras
Poesia símbolo
Poesias, 1850; dividida em três partes: A Voz do Profeta, Harpa do Crente e Poesias Várias.
Historiografia
"História de Portugal" (4 volumes), 1846 - 53;
"História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal "(3 volumes), 1854 - 59.
Prosa símbolo
"O Bobo", 1843; "O Monge de Cister", 1848; "Eurico, O Presbítero", 1844; "Lendas e Narrativas", 1851.
Como poeta, trouxe para as letras portuguesas a influência germânica revelada nas poesias de temas filosóficos, morais e religiosos. Sua linguagem é caracterizada por uma contenção e solenidade que denunciam a formação neoclássica.
Os temas que tratou são românticos: religião, pátria e natureza.
Como ficcionista construiu lendas e narrativas; introduziu, na prosa portuguesa, a ficção histórica e a ficção campesina. Não há, nessas, unidade de ação; o autor interrompe a narrativa com freqüentes reflexões morais, religiosas, políticas e com evocações históricas. Destacam-se:
"O Pároco da Aldeia", apologia do cristianismo.
"O Alcaide de Santarém", século X, época da dominação moura.
"A Dama do Pé de Cabra", lenda do século XI, encontrada nos velhos documentos medievais.
"O Bispo Negro", reconstituição da personalidade de D. Afonso Henriques.
"A Morte do Lidador": centrada na figura de Gonçalo Mendes da Maia, à maneira das novelas de cavalarias medievais.
Enveredando pelo romance histórico, escreveu: O Bobo (1843), o mais rigorosamente histórico dos romances de sua produção literária. A história passa-se em Guimarães, no ano de 1128, envolvendo a política anterior à fundação do Estado Português. Havia um partido que apoiava a união de D. Teresa com o conde Peres de Trava, e um outro que fomentava o projeto de independência do príncipe Afonso Henriques. Egas Monis é o herói português que vive um romance com D. Dulce, criada de D. Teresa. Na batalha de S. Mamede, o fiel Egas mata Garcia Bermudes que, por trama de D. Teresa, desposara D. Dulce. Esta morre de desgosto ao saber que o homem a quem amara matou seu marido. Dias depois, o corpo de D. Egas Monis é encontrado sobre o túmulo da amada. D. Bibas, o bobo, toma, ao longo da narrativa, o partido de Egas Monis e do Príncipe Afonso Henriques.
Há também Eurico, O Presbítero (1844), história passada no século VIII, durante a invasão árabe à Península Ibérica, então dominada pelos bárbaros. Eurico era um godo de origem nobre (gardingo), porém pobre. Amava Hermengarda, filha de Favila, Duque de Cantábria, que proíbe o casamento de Eurico, o qual, desgostoso, faz-se padre. Sobrevém a invasão árabe e Eurico torna-se um guerreiro misterioso: o Cavaleiro Negro. Após a batalha de Crissus, com a derrota cristã, Hermengarda refugia-se no Convento da Virgem Dolorosa. Os árabes atacam-no e matam as freiras, que se haviam mutilado para não servirem nos haréns muçulmanos. Hermengarda, entretanto é levada à tenda do chefe Abdulaziz, de onde a salva heroicamente o Cavaleiro Negro. Então ela intenta, após a revelação, casar-se com Eurico. Este a recusa em nome dos votos religiosos. Mais tarde, o monge-poeta e guerreiro morre em brava luta contra três mouros. Hermengarda, endoidecida, sai pela multidão de inimigos cantando os hinos compostos por Eurico, durante seus retiros nas montanhas do Calpe.
No romance "O Monge de Cister" (1848), o cavaleiro Vasco da Silva professa num convento, em razão da mágoa pela perda da noiva (Leonor), pela sedução da irmã (Beatriz), pela morte do pai e por remorsos do crime contra o sedutor da noiva (Lopo Mendes). Depois dos votos religiosos, Vasco da Silva (agora Frei Vasco) encontra sua irmã Beatriz decaída e prestes a morrer. Novamente tomado pelo ímpeto da vingança, procura aquele que a fez perder-se. Este é Fernando Afonso, camareiro e favorito de D. João I. Com o auxílio do bobo Ale, Frei Vasco logra demonstrar ao rei o caráter de Fernando Afonso, que é punido com a morte na fogueira. Frei Vasco morre sobre o túmulo do pai.
Antônio Feliciano Castilho (Lisboa, 180/Lisboa, 1875)
Deixou numerosas obras em verso e prosa:
A Noite do Castelo, 1836;
O Ciúme do Bardo, 1836;
Primavera, 1822.
Participou da questão Coimbrã em 1865.
Começando a versejar dentro dos cânones do Arcadismo, sob influência de Camões de Garrett, converteu-se à escola romântica. Aliás, chegou mesmo a afirmar: "Eu tempero Victor Hugo com Virgílio e Lamartine com Horácio". Apesar disso, nota-se que o subjetivismo romântico já se encontrava, em germe, na obra de Castilho, pois, no prefácio de Cartas de Eco e Narciso, aconselhava os jovens escritores a abandonarem a mitologia e cantarem a ternura, o amor e a felicidade. Apesar de cego, Castilho consegue fazer descrições da natureza que impressionam pela fidelidade. As lembranças do curto período em que teve visão nunca se apagaram inteiramente, reavivadas que eram pelas descrições semelhantes encontradas em seus amados clássicos
Camilo Castelo Branco (Lisboa, 1825/São Miguel Deseide, 1890)
"A própria vida de Camilo é um romance camiliano".
(A. J. Saraiva)
Vida tumultuada; paixões interrompidas, tentativa de suicídio, cursos interrompidos, raptos de mulheres, prisões etc.
Viveu exclusivamente da pena. Escreveu mais de 260 livros, é considerado o escritor mais polígrafo da língua portuguesa: poesia, teatro, crítica literária, crônicas, biografias, romances e novelas; sendo que se destaca em suas novelas, com cerca de 50 obras no gênero.
Obras
Amor de Perdição;
Amor de Salvação;
Coração, Cabeça e Estômago;
A queda de um Anjo etc.
Características de suas novelas:
Dimensão trágica: suas personagens, tipicamente passionais, crescem com uma força de luta obstinada e de resistência inabalável contra todo tipo de obstáculos que se interpõem em sua busca de felicidade pelo amor, enquanto desta são sistematicamente desviadas em direção da desgraça.
Concentração em torno de um núcleo dramático, passional.
Usos de recursos diferentes para dinamizar esse núcleo:
cartas em que os protagonistas podem ser os porta-vozes de suas confidências, da exploração de seu estado íntimo;
intromissões do narrador para interpretar ou julgar, sem-cerimônias, a conduta de suas criaturas e até fazer-lhes interpelações;
às vezes, o narrador mantém um diálogo com o leitor, que imagina diante de si ou do que escreve, dirigindo-lhe claramente suas observações.
Registro de costumes, reproduções de cenas nas quais suas notações valem como documento de um ambiente e de uma época que seus textos permitem rememorar.
Humorismo, ironia, anulando ou temperando o pieguismo sentimental.
Ingredientes romanescos: amor impetuoso, superior a todos os preconceitos morais e de casta, realizado "à margem e à revelia do casamento", o fatalismo do destino a cujas garras os protagonistas não conseguem escapar; o herói e a heroína enfrentando situações dramáticas, originadas do conflito entre os valores afetivos e as convenções sociais e morais, argamassadas pela mentalidade burguesa.