REALISMO EM PORTUGAL - POESIA
Realismo Em Portugal - Poesia
Introdução
Em Portugal, o Realismo foi impulsionado por duas polêmicas. A primeira foi a Questão Coimbrã (1865), que envolveu os jovens de Coimbra, liderados pelo poeta e filósofo Antero de Quental, contra os saudosistas e conservadores de Lisboa, representados pelo poeta Antônio Feliciano de Castilho. A segunda polêmica foi conhecida pelo nome genérico de Conferências do Cassino Lisbonense (1871), lideradas por Antero de Quental, e que não somente retomaram os temas da Questão Coimbrã, como discutiram a realidade da decadência portuguesa, o problema da educação etc.
Questão Coimbrã
Polêmica travada entre românticos e realistas, duas gerações opostas. Aqueles representados por Antônio Feliciano de Castilho, fiéis ao ideário romântico, criticam um grupo de jovens da Universidade de Coimbra que defende novas idéias, mais adequadas a uma época de grandes transformações.
Antero de Quental, um desses jovens, rebate as críticas dos românticos através de uma carta aberta conhecida por "Bom Senso e Bom Gosto". Essa polêmica só se definirá mais tarde com as Conferências do Cassino Lisbonense, proferidas por Antero de Quental, Eça de Queirós e outros.
Diz Antônio José Saraiva: "A primeira manifestação ruidosa das novas influências na literatura dera-se a propósito de uma carta de Castilho incluída no Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, em 1865. Castilho censurava aí os novos temas e estilo poético manifestado na Visão dos Tempos de Teófilo Braga, e das Odes Modernas, de Antero de Quental (ambas de 1864); Antero num opúsculo retumbante, Bom Senso e Bom Gosto, respondia atacando a frivolidade e o anacronismo da poesia de Castilho..."
(In: História da Literatura Portuguesa, Publicações Europa-América, pp. 149-150)
A geração realista, também conhecida por "geração de 1870", inaugurou em Portugal o primado da Ciência e do Positivismo, e aceitou e difundiu as teorias revolucionárias acerca da História e da Cultura. A renovação da mentalidade atingiu todos os setores. Uma das conseqüências no plano extra-literário, por exemplo, foi a instauração do regime republicano no começo do século XX.
Poesia Realista
Dentro do objetivo de fazer literatura como forma de conhecimento e interpretação da realidade, de demolir as utopias românticas, de construir uma linguagem artística inédita baseada na descrição reveladora e isenta de enfeites, "a geração de 70", estabelece o plano básico da poesia realista portuguesa.
"A poesia moderna é a voz da Revolução", proclamava Antero de Quental. Guerra Junqueiro, outro lírico dos mais eloqüentes do grupo, afirmava: "a poesia moderna deve ter um caráter científico". E mais: "A poesia é a verdade transformada em sentimento". "A lei descoberta por Newton tanto pode ser explicada num livro de física, como cantada num livro de versos. O sábio analisa-a, demonstra-se, e o poeta, partindo dessa demonstração, tira do fato todas as conseqüências morais, sociais e religiosas, traduzindo-as numa forma sentimental. (...) A nossa época é uma época de análise, de crítica, de observação, e a poesia, como todas as artes, há de infalivelmente obedecer a essa tendência irresistível."
Antero de Quental, vida e obra
Antero de Quental nasce em 1842, em Ponta Delgada, Ilha de São Miguel. Em 1852, em companhia da mãe, parte para Lisboa a fim de cursar o Colégio do Pórtico, fundado por Antônio Feliciano de Castilho. Aos 26 anos ingressa na Faculdade de Direito em Coimbra.
De formação tradicionalista e católica, abalado pelas idéias difundidas no ambiente acadêmico, Antero de Quental torna-se defensor e membro da "Nova Escola" (Realismo e Socialismo) em Portugal.
Participa da Questão Coimbrã escrevendo o folheto "Bom Senso e Bom Gosto" (1865). No mesmo ano publica Odes Modernas.
Em 1866, depois de aprender a arte tipográfica em Lisboa, muda-se para Paris exercendo a profissão de tipógrafo e pratica as doutrinas socialistas. Um ano depois retorna à Ilha de São Miguel, debilitado fisicamente. Nessa época faz uma viagem aos Estados Unidos.
De volta a Lisboa, promove as Conferências Democráticas do Cassino Lisbonense (1871), sendo a primeira proferida por ele próprio: "Causas da decadência dos povos peninsulares".
Publica Primaveras Românticas (1872).
Com a morte do pai, Antero regressa à Ilha e acaba adoecendo seriamente. Em 1875, embora doente, publica a "Revista Ocidental" e a segunda edição revisada e ampliada das Odes Modernas. Após duas candidaturas a deputado socialista, puramente simbólicas, em 76 e 80, Antero vive em recolhimento na Vila do Conde (Porto), na companhia das filhas de Germano Meireles, que adotara; de poucos amigos, sobretudo Oliveira Martins, dedica-se à leitura e à meditação. Nessa época, edita Tesouro Poético da Infância, uma reunião de autores portugueses e brasileiros.
Em 1890, com o "Ultimatum" inglês, sai de seu isolamento e concorda em presidir a "Liga Patriótica do Norte", que vem a dissolver-se.
Deprimido, retorna à Ilha de São Miguel e suicida-se, em 1891.
Eça de Queiroz sobre Antero de Quental: "Um gênio que era um santo: Por mim pense, e com gratidão, que em Antero de Quental me foi dado conhecer, neste mundo de pecado e de escuridade, alguém, filho querido de Deus, que muito padeceu porque muito pensou, que muito amou porque muito compreendeu e que, simples entre os simples, pondo a sua vasta alma em versos, era um Gênio e era um Santo".
Antônio José Saraiva e Oscar Lopes julgam que, para melhor estudo da obra anteriana, deve-se triparti-la, principiando com a sua Juvenília (Primaveras Românticas e Raios de Exinta Luz), passando às Odes Modernas e, por fim, aos Sonetos.
1ª Fase
Romantismo solene de tonalidade neoclássica.
Influência de Herculano, notadamente nas poesias de cunho religioso e filosófico.
Idealismo.
Lirismo amoroso.
2ª Fase
Realismo ortodoxo, radical.
Linguagem agressiva, vibrante.
Anti-romantismo.
Poesia de combate.
3ª Fase
Pessimismo e ceticismo.
Desejo de evasão num mundo irreal, indefinido,
Anseio da morte libertadora.
Sentimento religioso.
Cesário Verde, vida e obra (1886)
Nascido em Lisboa, em 1855, filho de comerciante, Cesário não foi intelectual nem literato. Ousado em seus poemas, inovador e anti-romântico, nunca poderia ser bem recebido - e compreendido - por uma tradicional classe de intelectuais e escritores que se diziam revolucionários tanto estética quanto socialmente. Cesário esperava um reconhecimento destes, e esta foi sua maior decepção, pois em seus poemas coloca a sua experiência humana adquirida na prática comercial (e seria o que mais o distanciaria dos outros poetas): mestres de ofício (carvoeiros, barbeiros, cavadores, carpinteiros...), utensílios de trabalho (parafusos, pregos, marretas, pás, enxadas...), a visão prática do mundo. Cesário coloca o povo em seus versos: "Há sobretudo uma afirmação constante com que eu simpatizo imenso: é o protesto franco e salutar em favor do povo".
A obra de Cesário Verde está marcada pela presença de dois mundos incompatíveis, o comercial e o poético. Juntamente com a loja de ferragem, o pai e mesmo Cesário, faziam exportação de frutas para a Inglaterra e para o Brasil. Num poema diz: "... a uva diavalgo / que eu embarcava para Liverpool / As maçãs / As maçãs de espelho / que Herbert Spencer talvez tenha comido!". Em 1873, ingressou no Curso Superior de Letras (incompleto) traçando amizade com Silva Pinto.
Cesário também coloca em seus versos as modificações da cidade de Lisboa; a respeito dos prédios que construíam, diz: "Semelham-se a gaiolas, com viveiros, / As edificações somente emadeiradas", (...) "Recolheste, pálida e sozinha, / À gaiola do teu terceiro andar". As chaminés das fábricas, as mulheres operárias, floristas, costureiras. A vida noturna de Lisboa, iluminada a gás (desde 1848), teatros, casas de confecções, etc.
Em 1873, publicou no "Diário da Tarde" (Porto), em folhetim, duas poesias: "Eu e Ela" e "Lúbrica". Em 1878, publicou no "Diário de Notícias": "Um Bairro Moderno". E em 1879 o poema "Em Petiz", que desencadeou um escândalo: "... o seu folhetim, onde cada verso é um vomitório..." (no "Diário Ilustrado"). Rebateu, no entanto, com a sátira: "Ele - Ao Diário Ilustrado". Em 1880 publicou a sua obra prima "O Sentimento de um Ocidental", e dois meses depois queixou-se a um amigo (Antônio Macedo de Papança, futuro Conde de Monsaraz): "Uma poesia minha, recente, publicada numa folha bem impressa" (...) "não obteve um olhar, um sorriso, um desdém, uma observação. Ninguém escreveu, ninguém falou" (...) "ninguém disse bem, ninguém disse mal!... Literariamente parece que Cesário Verde não existe!
A partir de 1877, começou a crescer em Cesário Verde o pavor da tuberculose que já atacara sua irmã (1872): "Ó flor cortada, susceptível, alta, / que assim secaste prematuramente". E o irmão Joaquim Tomás: "Viu seu fim chegar como um medonho muro, / E, sem querer, aflito e atônito, morreu!". Aparece em seus versos a questão da saúde e, à medida que a doença se agrava, com a perda das ambições literárias, deixou-se absorver pela vida prática e a cidade tornou-se-lhe odiosa.
Voltou-se para o campo e enfatizou na vida campestre, as forças e a vitalidade que perdeu. A doença progrediu, e o mistério do sobrenatural preocupou-lhe: "Eu que às vezes tenho o desprazer / De refletir no túmulo! E medito / No eterno incognoscível infinito, / que as idéias não podem abranger!"
É, modestamente, invocado por Álvaro de Campos ("... ó Cesário Verde, ó Mestre, / Ó do Sentimento de um Ocidental!") e Alberto Caeiro ("que pena que tenho dele! Ele era um camponês! que andava preso em liberdade pela cidade"), além de admirado pelos surrealistas modernos como aquele que primeiro recriou o real: "Ah"! Ninguém entendeu que ao meu olhar / Tudo tem certo espírito secreto!"
Obra
O Livro de Cesário Verde, 1887, organizado por seu amigo Silva Pinto, postumamente.
O Realismo em Portugal (Retrospectiva e detalhamento histórico)
Como marco introdutório do Realismo em Portugal tem sido apontada a Questão Coimbrã, episódio ocorrido em 1865.
Nessa época haviam finalmente cessado as lutas entre os liberais e as facções que representavam a velha monarquia deposta pela revolução de 1820.
Consolidado o liberalismo, Portugal conheceu a partir de 1850 um período de estabilidade política, de progresso material e de intercâmbio com o resto da Europa. Coimbra, importante centro cultural e universitário da época, ligava-se em 1864 diretamente à comunidade européia por meio da estrada de ferro.
Contudo, do ponto de vista literário, predominavam ainda velhas idéias, românticas e árcades.
A Questão Coimbrã
Os meios literários já há alguns anos tinham como principal expressão o consagrado Castilho, poeta árcade, idoso e cego. Representante do academismo e do tradicionalismo literários, Castilho reunia em torno de si jovens escritores a quem protegia e por quem era tido como mestre.
A Questão Coimbrã tem início quando Castilho, ao escrever um posfácio elogioso ao livro Poema da mocidade de seu protegido Pinheiro Chagas, aproveita para criticar um grupo de poetas de Coimbra, a quem acusa de exibicionismo e obscuridade. São citados no posfácio os escritores Teófilo Braga, Vieira de Castro e Antero de Quental, que acabara de publicar a obra Odes modernas.
Antero de Quental responde a Castilho com uma carta aberta, em forma de panfleto, intitulada "Bom senso e bom gosto". Nela Antero critica o apadrinhamento literário, praticado por Castilho, e a censura da livre expressão.
Para Antero, a agressão sofrida não se limitava ao plano estritamente literário ou pessoal; era, na verdade, uma reação do velho contra o novo, do conservadorismo contra o progresso, da literatura de salão contra a literatura viva e atuante exigida pelos novos tempos.
Os grandes homens, na concepção de Antero, seriam aqueles comprometidos com a nova "Idéia", ou seja, com os conhecimentos trazidos pelas correntes filosóficas e científicas da época e que seriam capazes de modernizar Portugal, colocando-o ao lado das nações européias mais desenvolvidas.
A Questão Coimbrã durou todo o segundo semestre de 1865, com publicações em defesa e ataque de ambos os lados. Participaram dela também, dentre outros, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão e Pinheiro Chagas. Eça de Queirós, embora fizesse parte do grupo coimbrão, não interveio na polêmica.
As conferências do Cassino Lisbonense e a geração de 70
Por volta de 1870 e tendo já concluído os estudos universitários em Coimbra, o grupo de amigos se reencontra em Lisboa e passa a travar debates acerca da renovação cultural portuguesa. A volta de Antero de Quental - que estivera na França, na América e na ilha de São Miguel - dinamiza essas reuniões, que passam a contar com leituras sistematizadas (principalmente de Proudhon) e a ter um objetivo definido. Como resultado desse esforço, nasce a iniciativa ambiciosa das Conferências Democráticas, que visavam à reforma da sociedade portuguesa.
Eis algumas das propostas das conferências, impressas no programa, assinado dentre outros por Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins e Teófilo Braga:
Abrir uma tribuna onde tenham voz as idéias e os trabalhos que caracterizam este movimento do século, preocupando-nos sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos; ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de que vive a humanidade civilizada; procurar adquirir a consciência dos fatos que nos rodeiam, na Europa; agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência Moderna; estudar as condições da transformação política, econômica e religiosa da sociedade portuguesa.
Depois de proferidas cinco conferências - das quais duas eram de Antero e uma de Eça de Queirós -, o governo proíbe a continuidade do ciclo, alegando que os oradores suscitavam "doutrinas e proposições que atacavam a religião e as instituições do Estado".
Mas, apesar da censura, o Realismo já era vitorioso em Portugal e a partir de então se colheriam seus melhores frutos.
A poesia da época, a que genericamente se chama realista, alcançou grande prestígio e se desdobrou em quatro direções:
• a poesia realista propriamente dita, representada por Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Gomes Leal, Teófilo Braga e outros, que se caracteriza pela crítica social e pelo engajamento político;
• a poesia do cotidiano, representada por Cesário Verde, que, parcialmente ligada à poesia realista, procura incorporar à poesia certos aspectos da realidade até então considerados pouco poéticos;
• a poesia metafísica, representada por Antero de Quental, que se volta para as indagações em torno da vida, da morte e de Deus;
• a poesia parnasiana, representada por João da Penha e outros, cuja preocupação central é resgatar a tradição clássica, deixada de lado pelo Romantismo.
O Realismo português sob a visão de outros estudiosos
Tentativa de Resumo
A Literatura em Portugal
O Realismo em Portugal tem como marco inicial ano de 1865 com a Questão Coimbrã ou Bom Senso e Bom Gosto, liderada por Antero de Quental, e termina oficialmente em 1890 quando Eugênio de Castro publica o livro de poesias "Oaristos", dando início a estética Simbolista.
Ao contrário do que se possa imaginar o advento do Simbolismo não neutralizou por completo a escola Realista, que se manteve presente nos meios literários até, pelo menos, o ano de 1915.
Para se entender esse período da literatura portuguesa é necessário compreender o que foi a Questão Coimbrã e quais foram as suas conseqüências.
Os autores Realistas portugueses desenvolveram com maestria a poesia o romance e também o conto.
A poesia desse período é dividida, pela maioria dos críticos literários em três grupos:
• poesia revolucionária ou "Realista"- reflete os ideais revolucionários da geração de 70 (ver Questão Coimbrã) e é comprometida com uma causa social. Os principais representantes foram: Guerra Junqueiro, Teófilo Braga e Antero de Quental.
• poesia do cotidiano - tratava de temas simples do dia-a-dia. Até então esses temas eram vistos como não poéticos. O principal representante foi Cesário Verde.
• poesia metafísica ou filosófica - Representada por Antero de Quental.
O professor Massaud Moisés, considerado por muitos como sendo a maior autoridade no assunto, ainda cita em sua obra "A literatura Portuguesa através de textos" um quarto tipo de poesia:
• "a poesia de veleidades parnasianas" - que, segundo ele "sem constituir tendência filiada ao Parnasianismo francês, realizava uma poesia entre formalista e lírica ou satírica". Os principais representantes são: João da Penha, Antônio Feijó, Guilherme Azevedo etc.
QUADRO GERAL: REALISMO
INÍCIO: A questão Coimbrã (1865)
TÉRMINO: Publicação de Oaristos, de Eugênio de Castro, com modelo simbolista.
PAINEL DE ÉPOCA:
• Desenvolvimento do pensamento científico e das doutrinas filosóficas e sociais (Comte, Marx e Engels, Darwin).
• Defesa dos ideais socialistas.
• Acontecimentos da questão Coimbrã.
• Questão Coimbrã: conflito das transformações políticas, sociais e econômicas
• Objetivismo com negação ao Romantismo.
• Determinismo: meio, momento e raça.
• Importante ficcionista do Realismo Português (Eça de Queirós).
• Triângulos amorosos.
• Análise do clero português.
• Constituição moral da sociedade e das famílias.
• Reflexão metafísica e pessimismo (Antero de Quental).